Os compradores de veículos novos espalhados por todos os estados brasileiros continuam arcando com prejuízo mesmo em tempos de pandemia. Só nos primeiros três meses deste ano, o valor pago a mais por conta do ágio cobrado pela associação criminosa que controla com mãos de ferro o setor de transporte de veículos novos chegou aos R$ 668,8 milhões. O motivo é a falta de concorrência no segmento.
Transportadoras que cobram menos são alijadas do mercado. Mesmo afrontando os princípios da livre concorrência, a situação conta com o apoio da maioria das fábricas de veículos e de comerciais leves instaladas no país. A indústria não demonstra qualquer preocupação com os valores pagos a mais, até porque os repassa direta e automaticamente aos compradores das marcas. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e Polícia Federal estão investigando o bilionário setor. Enquanto ações coercitivas não entram em vigor, a economia e os consumidores estão pagando essa conta nos últimos 20 anos.
Controlado basicamente pelos grupos econômicos Sada e Tegma – alvos da Operação Pacto, deflagrada em 17 de outubro do ano passado – e contando com a efetiva participação do Sindicato dos Cegonheiros de São Paulo (Sinaceg, ex-Sindicam) e suas entidades regionais cooptadas, o cartel detém atualmente 92,19% de todo o segmento que movimenta mais de R$ 8 bilhões por ano, causando, aos compradores de veículos novos, prejuízo superior a R$ 2 bilhões a cada 12 meses.
Nos três primeiros meses de 2020 (apesar da pandemia que se intensificou no final de março), a conivência da maioria das montadoras entregou, a título de frete, R$ 1,6 bilhão ao bolso dessa associação criminosa. Cada um dos 490.995 compradores de veículos zeros-quilômetro vendidos e transportados pelo cartel nesse período deu sua contribuição, pagando, segundo apurou a Operação Pacto, aumento no valor do frete (embutido no valor final do veículo) de até 40%.
A união das vendas da Fiat com a Jepp levou as montadoras do mesmo grupo econômico a assumirem o primeiro lugar não só em volume de vendas de unidades e de faturamento, mas também as fez chegar ao topo no prejuízo causado aos compradores. Juntas, venderam nos primeiros três meses deste ano 102.466 unidades. Repassaram ao chamado cartel dos cegonheiros, a título de frete, R$ 357,8 milhões. O ágio imposto e cobrado dos consumidores somou R$ 143,1 milhões, cerca de R$ 1,5 milhão por dia.
A segunda posição é assumida pela General Motors do Brasil, que pagou aos transportadores R$ 269,6 milhões, dos quais R$ 107,8 milhões referentes a ágio. Nenhuma montadora se manifesta sobre o assunto. A GM, seu diretor Luiz Moan Yabiku Júnior, a Associação Nacional das Empresas Transportadoras de Veículos (ANTV) e o Sinaceg já foram condenados em duas instâncias pela Justiça Federal por participação no cartel dos cegonheiros. Atualmente a sentença está suspensa aguardando decisão de Conflito de Competência em avaliação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O cálculo dos prejuízos baseia-se em equação montada pelo Ministério Público Federal (MPF), que previa sobrepreço da ordem de 25%. Após outubro, com a deflagração da Operação Pacto, a Polícia Federal estima que esse sobrepreço é de 40%. Todo o material apreendido na operação está em análise no Cade. Para estimar o prejuízo causado ao consumidor, o site Livre concorrência considerou o total de veículos vendidos no mercado interno nos primeiros três meses do ano e o valor médio de cada modelo. Vale registrar: o cálculo não contempla o transporte de veículos destinados à exportação.