
Documentos apreendidos demonstram que o contrato com a Codesp rendeu margem de lucro de 57,8% à empresa de TI. O valor equivale a mais de R$ 7,1 milhões. As investigações seguem em curso para apurar a prática de outros possíveis crimes, como pagamento de propinas e lavagem de dinheiro.

De São Paulo
A Justiça Federal paulista transformou em réu o ex-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp, atual Santos Port Authority) por fraudes em licitação e desvio de recursos públicos da estatal responsável pela administração do Porto de Santos. Alex Botelho Oliva e mais seis réus foram alvos de denúncia do Ministério Público Federal a partir das apurações conduzidas em duas fases da Operação Tritão, deflagradas em 2018 e 2019, para desbaratar diversos ilícitos na Codesp.
Os crimes descritos na denúncia do MPF referem-se a serviços de informática realizados entre 2016 e 2018. No período, a estatal manteve contrato de quase R$ 12,4 milhões com a N20 Tecnologia da Informação, de propriedade dos irmãos Joabe e Joelmir Francisco Barbosa. As investigações revelaram irregularidades desde a seleção da empresa até a execução dos serviços, com direcionamento do processo licitatório, pagamentos por atividades não efetuadas, superfaturamento e implementação de produtos desnecessários.
Segundo o MPF, o vínculo com a N20 estabeleceu-se a partir da adesão da Codesp a uma Ata de Registro de Preços (ARP) da extinta Secretaria Especial de Portos. O instrumento disponibilizava preços e condições de diversos fornecedores previamente selecionados, entre eles a empresa de TI. A estatal requisitou os serviços da N20 sem antes elaborar planejamento ou pesquisa de mercado nem apresentar estimativa de custo e prazo de implantação. Nos documentos para solicitar a adesão à ARP, a companhia limitou-se a indicar a “contratação de uma fábrica de software que geraria um dispêndio com longo prazo de maturação”.
O procurador da República Thiago Lacerda Nobre, autor da denúncia do MPF, ressaltou:
“Ficou evidente que se buscou um problema para uma solução fornecida pela Secretaria dos Portos.”
De acordo com a peça de acusação encaminhado à Justiça, o principal produto que a N20 forneceu à Codesp – um sistema de gestão de contratos – permaneceu praticamente sem uso após entrar em operação. Anos antes, a estatal já havia promovido a unificação de dezenas de sistemas, e a implementação da nova plataforma, além de desnecessária, representava um recuo na política de TI até ali adotada.
Por meio da mesma ARP, a N20 estava disponível para a contratação de outros órgãos e estatais vinculados à Secretaria de Portos. A empresa foi indevidamente favorecida na licitação que definiu a lista de fornecedores, simulando a disputa com firmas que mantinham ligações com seus sócios. Na fase de pregão, a N20 sagrou-se vencedora após quatro supostas concorrentes deixarem de oferecer lances e outras duas terem sido desclassificadas e optado por não recorrer dessa decisão.
Documentos apreendidos demonstram que o contrato com a Codesp rendeu margem de lucro de 57,8% à N20, equivalente a mais de R$ 7,1 milhões. As investigações seguem em curso para averiguar a prática de outros possíveis crimes, como pagamento de propinas e lavagem de dinheiro. Ao longo da apuração, as autoridades identificaram uma série de movimentações financeiras atípicas entre Joabe e Joelmir e aumento patrimonial dos irmãos incompatível com as atividades da N20 e de outras empresas das quais são sócios.
Esta é a terceira denúncia do MPF referente aos fatos investigados na Operação Tritão. A descoberta de diversos crimes cometidos a partir de 2013 é fruto da atuação do MPF em parceria com a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). Parte das provas colhidas já embasaram outras apurações envolvendo a N20, entre elas, a Operação Vaporware, que combate irregularidades em contratos da empresa com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). (Com informações do MPF.)
Foto: Ricardo Botelho/Minfra