Executivo de montadora aposta na abertura do mercado de transporte de veículos novos

Em entrevista exclusiva ao site Livre Concorrência, executivo da indústria automobilística afirmou que as operações deflagradas pela Polícia Federal, Cade e Gaeco vão contribuir para acabar com o controle do cartel dos cegonheiros sobre as montadoras. Na opinião dele, as marcas são achacadas pelo conluio que detém mais de 90% dos fretes realizados por caminhões-cegonha no país.

De São Paulo

(Atualizada às 07h53min)

Foram quatro meses de tratativas entre a equipe do site Livre Concorrência e o executivo de uma das maiores montadoras do país, atendida pelo cartel dos cegonheiros, com sede fora do Brasil. As conversas foram acompanhadas pela assessoria jurídica e um integrante da assessoria de imprensa corporativa. Algumas concessões foram feitas por ambas as partes, tendo como única intenção garantir o direito à informação. O sigilo da fonte foi assegurado pela reportagem. Ficou ajustado que o executivo seria tratado, na reportagem, pelo pseudônimo de “Mister”. A entrevista foi concedida — por meio de plataforma on-line de reuniões — a três jornalistas do site. Teve duração de 2h24min. Ocorreu em clima amistoso e respeitoso, contando inclusive, com alguns momentos de descontração.

Livre Concorrência — As montadoras não desejam a abertura do mercado de transporte de veículos novos?

Mister –– Vejam, não posso falar por outras montadoras, mas acredito que o sentimento quase que geral da maioria da indústria automobilística é o de que elas gostariam de poder contar com um ambiente concorrencial saudável, capaz de proporcionar, por exemplo, a realização de BID (Bidding Process, espécie de licitação no setor privado) a cada três ou cinco anos. Anualmente seria praticamente impossível, pois há enormes custos envolvidos, movimenta uma estrutura pesada e pode até causar dissabores para ofertante e possíveis concorrentes.

Livre Concorrência — Por que isso não acontece?

Mister –– Por fatores simples. Não acontece porque não há segurança jurídica para a indústria automobilística. Sabe-se que há riscos, embora não se possa colocar isso de forma tão clara, inclusive, para colaboradores que atuam em praticamente todos os pontos-chaves de um possível procedimento de BID.

Livre Concorrência — Qual seria a solução então ?

Mister — Olhem, a alternativa seria a adoção de medidas que garantam, como já mencionei, segurança jurídica para os procedimentos, num primeiro plano. Num segundo plano, e de suma importância, estaria a garantia de que, aberto um procedimento dessa natureza — por qualquer uma das montadoras que assim o desejasse — este teria início, meio e fim.

Livre Concorrência — Como assim?

Mister –– Explico com um pouco mais de detalhe. Além da segurança jurídica, há necessidade de ser criado um mecanismo que possa garantir, por exemplo, as operações decorrentes do procedimento de BID. Ou seja, é preciso, além da segurança jurídica, que se consiga alcançar um patamar que garanta não só a integridade das cargas, desde o início do transit time até a chegada dos veículos ao destino final. Muito importante mesmo, é que se encontre uma alternativa capaz de garantir, em primeiro lugar, a segurança de todas as pessoas envolvidas no transporte. Refiro-me aos transportadores responsáveis pelo escoamento propriamente dito e, sobretudo, à proteção à vida das pessoas.

Livre Concorrência — O senhor se refere a possíveis incêndios criminosos nos chamados caminhões-cegonha?

Mister –– Vejam, eu não gostaria de opinar a respeito deste assunto, mas posso dizer apenas que isso preocupa sim, sem sombra de dúvida.

Livre Concorrência — A quem caberia, como o senhor mencionou, oferecer esses tipos de garantias?

Mister –– Vejam, falo por mim, embora acredite que esse sentimento seja comungado por muitos outros colegas que atuam na mesma área. Entendo que o Cade está no caminho certo. Caberia, naturalmente, à autoridade antitruste brasileira encontrar esse caminho e tomar as decisões, criando os mecanismos necessários, inclusive na questão da segurança, envolvendo as autoridades da segurança pública nos três níveis, federal, estaduais e municipais.

Livre Concorrência — O senhor se refere ao andamento do inquérito administrativo instaurado em 2016?

Mister –– Prefiro não entrar nessa questão específica.

Livre Concorrência — De quanto é o ágio pago pelas montadoras ao cartel dos cegonheiros?

Mister –– Também prefiro não entrar nessa questão específica.

Livre Concorrência — As montadoras são reféns ou parceiras do cartel?

Mister –– Parceiras? Inconcebível. Vejam, de uma maneira geral, a relação das montadoras com o suposto cartel dos cegonheiros — mencionado no site — não é de conivência. É de achaque. Basta lembrar o bloqueio da fábrica da Volkswagen em 2017 (foto de abertura). A planta da fábrica da co-irmã em São Bernardo do Campo ficou fechada por quase duas semanas. Sindicalistas e grandes transportadoras, à época, queriam abortar o processo aberto pela marca para contratação de novos operadores. A pressão foi bem-sucedida, como sempre, e o BID foi suspenso.

Livre Concorrência — Mas além da Volkswagen, há outros casos emblemáticos…

Mister — Verdade. Temos conhecimento de fatos semelhantes — segundo divulgado pelo site de vocês — na Renault, na Ford, na Stellantis, na Peugeot, na Nissan, na Chery, na BMW, os problemas que ocorreram na Kia e por aí vai… li que policiais federais teriam identificado presença desse sistema em sete montadoras. Isso é grave e parece que as coisas não mudam.

Livre Concorrência — As operações Pacto e Ciconia podem ajudar a libertar as montadoras do conluio que controla o setor de transporte de veículos novos?

Mister — As montadoras têm interesse no aumento de oferta, porque buscam melhores preços e condições técnicas para reduzir custos e aumentar a competitividade. O grande problema é que isso acaba não acontecendo. As operações deflagradas pela Polícia Federal, Cade e Gaeco são benéficas. Vão trazer muita luz para mostrar o que precisa ser feito para oxigenar o setor e permitir que novos operadores disputem, com segurança jurídica, os serviços oferecidos pela indústria. Além disso, trazem revelações que podem ser consideradas estarrecedoras.

Livre Concorrência — O senhor considera nossas revelações estarrecedoras?

Mister — O que vocês vem publicando — documentos apreendidos nas diligências criminais coordenadas pela Polícia Federal e descontos em valores de frete em troca de outros tipos de benefícios, divisão de gastos com supostos financiamentos de movimentos, supostos acordos entre concorrentes para dividir o mercado, enfim, envolvimentos e manobras que jamais se poderia imaginar existir… Isso tudo é muito grave. Estão tentando trazer a indústria automobilística como partícipe desse sistema, o que é um verdadeiro absurdo, no meu entendimento. O que acontece nesses bastidores é extremamente grave e as montadoras estão bem distantes disso.

Livre Concorrência — Como o senhor vê, neste contexto, o conteúdo publicado pelo Livre Concorrência?

Mister –– Vejam, pelo que tenho ouvido, há críticas sobre o que é noticiado no site Livre Concorrência. Eu mesmo tenho as minhas, mas são próprias. Ao mesmo tempo, há um sentimento sobre a importância do que é publicado. Por exemplo, investigações, processos em andamento, operações de busca e apreensão e até condenações. Nós — e insisto, falo por mim — não teríamos como tomar conhecimento de tanta coisa que ocorre nesse segmento se não fosse por esse veículo. As discordâncias, acredito, acontecem, talvez, pela forma como os assuntos são tratados. Mas é preciso deixar claro que pelo menos eu desconheço outro veículo de comunicação no país que aborde essas questões com profundidade e, porque não dizer, credibilidade. E aqui vai até um elogio, é leitura obrigatória para executivos que atuam na mesma área de diversas montadoras.

Livre Concorrência – Qual o tratamento dado às notícias que interessam às montadoras?

Mister – Olhem, o que interessa à nossa empresa, e aqui estou falando por mim, a gente faz a tradução e encaminha para dois departamentos da matriz.

Livre Concorrência – Que departamentos são esses?

Mister – Dois departamentos.

Livre Concorrência – O senhor pode dar exemplos de que notícias são essas?  Porque não publicamos só material sobre o cartel dos cegonheiros, montadoras.

Mister – Posso. As que envolvem investigações, as duas operações da Polícia Federal, denúncias de órgãos de Estado, eventuais cancelamentos de BIDs, contratação de transportadoras, sejam elas quais forem, reportagens sobre andamento de processos envolvendo questões que de uma forma ou de outra possam estar relacionadas com a indústria automobilística.

Livre Concorrência — Por fim, o senhor recomendaria a leitura do site Livre Concorrência?

Mister — Risos, risos e risos.

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Um comentário sobre "Executivo de montadora aposta na abertura do mercado de transporte de veículos novos"

  1. Luiz Carlos Bezerra disse:

    É meus amigos.
    Contra os fatos acima citados, não nos resta a menor dúvida, que eles estão desesperados mesmo.
    Temem ao meu ver, que o Poder Judiciário venha a aplicar “Multas elevadas”, às Montadoras, se continuarem a operar com esse “Cartel” onde assim seriam muito punidas mesmo, como já foi punida uma Montadora no passado.
    Agora só nos resta aguardar, pois o Cartel dos Cegonheiros e todos os demais Cartéis existentes no Brasil, tendem a ser cancelados mesmo.
    O executivo dessa Montadora teme ser processado também.
    Ele deve atuar dessa forma, para assim deixarem de operar com o Cartel!
    Brilhante essa matéria, como sempre!
    Vamos aguardar o resultado dessa entrevista, e depois aplaudir pela nossa “Vitória!

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