
Cade investiga práticas anticompetitivas no setor de saúde. Existe a suspeita de que empresas teriam estabelecido de forma coordenada valores e condições para contratação de mão de obra.
O processo administrativo aberto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para apurar formação de cartel entre departamentos de recursos humanos de empresas completa seis meses nesta quinta-feira (17). A investigação trata de práticas anticompetitivas entre empresas do setor de saúde. As irregularidades incluem trocas de informações concorrencialmente sensíveis relacionadas a salários, benefícios e compensações em geral. Especialistas apontam para uma situação mais grave: configuração de cartel para impedir contratações (lista negra) ou para combinar salários iguais a serem pagos por todas as empresas.
O procedimento foi aberto em 17 de março. Vale ressaltar que a discussão foi aberta em outubro de 2019, em artigo publicado no site Consultor Jurídico pelos advogados José Del Chiaro e Luís Nagalli. O texto, intitulado Vão ocorrer leniências de Recursos Humanos no Cade?, alertava para a possibilidade de empresas firmarem acordo de leniência envolvendo o tema. Também chamava a atenção para o fato de que mesmo empresas com políticas de compliance amadurecidas talvez ainda não tivessem incluído, entre as práticas a serem investigadas, condutas que poderiam estar ocorrendo nos seus departamentos de RH.
A investigação no órgão antitruste mira 37 empresas e mais de 100 pessoas físicas do setor de fornecimento de equipamentos e serviços de saúde, em São Paulo.
Caso as práticas anticompetitivas se confirmem, as sanções podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto. Existe a suspeita de que as empresas teriam estabelecido de forma coordenada valores e condições para contratação de mão de obra. Não há prazo legal para o final da apuração.
No Brasil a investigação é inédita. Há quase dois anos, José Del Chiaro e Luís Nagalli escreveram:
“Na última década, autoridades antitrustes estrangeiras vêm alertando sobre o fato de que RHs não estão imunes ao escrutínio antitruste. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Justiça (DOJ) instaurou uma série de investigações contra empresas do Vale do Silício — entre elas Apple, Intel e Adobe — que firmavam acordos que impediam a contratação de funcionários-chave das concorrentes. Tais investigações mirando as práticas culminaram, em 2016, com a edição de um guia antitruste para os RHs.”
Segundo eles, o guia norte-americano deixou bastante claro que pelo menos três práticas de RH podem ser consideradas ilícitos antitruste: acordos de não contratação/solicitação (no-poaching), fixação de salário ou benefícios (wage-fixing) e troca de informações sobre composição salarial.
Naquela época, autoridades antitruste da Espanha, França e Holanda já haviam iniciado investigações sobre práticas similares de não contratação e, mais importante, de troca de informações relativas a salários e bônus.
No Brasil, o assunto não recebia a devida atenção, mas já se imaginava que as autoridades iriam enquadrar práticas análogas, anteciparam os advogados. A investigação sobre o setor de RH no setor de saúde foi deflagrada em março, um ano e meios depois do artigo dos advogados ter sido publicado.