Matéria modificada em 9 de fevereiro de 2022
Retratação: Vittorio Medioli não foi indiciado no inquérito policial 277/2010
Recuperamos artigo assinado pelo jornalista Luiz Nassif, publicado na Folha de São Paulo nos idos de 1997. Atualizando os dados, tem-se a exata dimensão dos reflexos que a impunidade traz ao longo dos anos. A chamada “corporação do atraso”, chancelada por cegonheiros, nunca foi combatida com firmeza e eficácia pelo Estado brasileiro. E isso, sem dúvida alguma, a tornou mais forte e mais temida por muitos, além de mais poderosa política e administrativamente. A “corporação” transformou-se numa sofisticada organização criminosa que controla o setor de transporte de veículos novos com mãos de ferro, mostrando-se absolutamente despreocupada com ações dos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, das Justiças Federal e Estaduais. Faz pouco caso até de investigações da Polícia Federal. Essa “corporação do atraso” segue desafiando todas as autoridades, sobretudo as que defendem os direitos dos consumidores.
Há 22 anos, Nassif denunciava o locaute no setor de transporte de veículos novos (greve de patrões, proibida pela legislação brasileira). A prática, usada até os dias de hoje, foi empregada à época para evitar a implantação e implementação de um novo modal de transporte, chamado cabotagem.
De lá para cá, a “corporação do atraso” aperfeiçoou-se e, como “organização criminosa”, segundo a Polícia Federal (em dois inquéritos) e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Bernardo do Campo (SP), age ao seu bel-prazer.
Hoje em dia, a “organização criminosa”, formada por empresários-cegonheiros e grandes transportadoras ligadas basicamente aos grupos Sada e Tegma, atua firme para impedir o ingresso de novos agentes econômicos no mercado.
Os envolvidos no esquema para controlar o mercado pressionam e arrastam para o conluio várias montadoras. Não é só isso! Para demonstrar sua força inatacável pelo Estado brasileiro, empregam a violência desmedida para tentar manterem-se únicos no comando do setor de transportes de veículos novos, causando um prejuízo de R$ 1,8 bilhão por ano aos consumidores. Há mais de duas décadas, Nassif tocou em um ponto exaustivamente abordado pelo site Livre Concorrência: as montadoras não se preocupam com o atraso imposto pelo cartel, pois repassam integralmente esse custo ao desamparado consumidor.
Os locautes promovidos pelos empresários-cegonheiros nunca foram combatidos pelas autoridades brasileiras. Pararam as montadoras quando a Justiça determinou o ingresso de novo agente na General Motors do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Bloquearam fábrica da Renault do Brasil em duas oportunidades. O mesmo ocorreu na Peugeot/Citroen e, mais recentemente, no escândalo da Volkswagen do Brasil, em dezembro de 2017. O objetivo é sempre o mesmo: impedir a entrada de novos operadores no mercado bilionário de transporte de veículos novos.
No caso do locaute da Volkswagen, a montadora chegou a denunciar empresários-cegonheiros e as transportadoras que prestam serviços. Tudo levado à Justiça. A montadora alemã chegou a afirmar que esses agentes, estavam impedindo o exercício da livre concorrência e, ao mesmo tempo, trabalhavam para que a montadoras não pudessem buscar melhores condições técnicas e financeiras no escoamento da produção. Vinte e quatro horas depois, anunciou acordo com os mesmos operadores que denunciou e decidiu não mais contratar novos transportadores.
Condenação por formação de cartel
O Estado brasileiro ainda deve à sociedade o desfecho das sentenças proferidas contra réus condenados por formação de cartel nesse segmento, como é o caso da Ação Civil Pública que condenou General Motors do Brasil, Luiz Moan Yabiku Júnior (diretor da montadora norte-americana em 2002), Associação Nacional das Empresas Transportadoras de Veículos (ANTV) e Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg). Todos foram condenados em Primeira Instância por formação de cartel. Apelações estão há mais de dois anos no TRF-4 aguardando julgamento.
Na mesma seara, a ação penal que condenou, em 2003, Luiz Moan Yabiku Júnior, Aliberto Alves (ex-presidente do Sinaceg) e Paulo Roberto Guedes (ex-presidente da ANTV) tramita há 16 anos sem que nenhum dos condenados tenha cumprido as penas impostas pela Justiça Federal. Todos condenados por formação de cartel no mesmo setor.
Além disso, há inquérito da Polícia Federal que apontou o político e empresário Vittorio Medioli como sendo o chefe da quadrilha investigada. A peça já visitou pelo menos três estados e desde 2010 não teve desfecho. Existe ainda, a ação penal movida pelo Gaeco contra 12 denunciados. Viajou a Minas Gerais e está retornando para São Paulo. Está desde 2012 em tramitação.
Por fim, ainda está em andamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) inquérito administrativo que busca identificar possíveis infrações à ordem econômica, envolvendo transportadoras, sindicatos de cegonheiros e montadoras de veículos. O procedimento está há três anos em análise.
Está faltando força para o Estado brasileiro. Enquanto isso, os criminosos continuam agindo livremente.