
Valor da causa pode chegar a U$$ 3 bilhões. Essa é a primeira vez que empresários brasileiros serão processados na Inglaterra por violação concorrencial, afirma advogado de produtores. Mudança de jurisdição deve-se à demora da Justiça nativa. Processos por indenização que tramitam em território nacional não tiveram nenhum andamento em 16 anos.
Menos de cinco meses depois de começar a analisar demanda de 1,5 mil produtores de laranja dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a Justiça do Reino Unido aceita julgar ação por prejuízos causados por suposto cartel no mercado citrícola brasileiro. Com a decisão, o empresário José Luis Cutrale e seu filho José Luis Cutrale Jr. serão processados no exterior por reduzir artificialmente os volumes de laranja entregue pelos produtores, baixar os preços de compra da fruta e impor custos adicionais aos agricultores independentes. A High Court of Justice, porém, não aceitou o processo contra a Cutrale, cuja sede fica em Araraquara, no interior paulista. A empresa é comandada de Londres. A família mudou-se para a capital inglesa em 2006, após ação de busca e apreensão da Polícia Federal.
A ação é movida pela Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), representada pelo escritório de advocacia internacional PGMBM. O advogado Pedro Henrique Carvalho de Assis Martins, sócio do escritório em Londres, estima que o mérito seja julgado em um prazo de 12 a 18 meses. Segundo ele, litigar no exterior é uma forma de acelerar o andamento do processo, já que no Brasil os processos por indenização movidos por vários produtores não tiveram nenhum andamento em 16 anos. O valor da causa pode chegar a US$ 3 bilhões.
Martins acrescentou que essa é a primeira vez que empresários brasileiros serão processados na Inglaterra por violação concorrencial.
Flavio Viegas, presidente da Associtrus, comemorou a decisão anunciada pela Justiça do Reino Unido. Um outro processo corre no Brasil desde 2007, mas ainda está na primeira instância. Por conta disso, ele justificou a mudança de jurisdição. Também disse esperar que, em caso de sucesso na causa, outras indústrias e empresários envolvidos no cartel possam ser acionados.
Conforme dados da Associtrus, os cerca de 1,5 mil citricultores produziam mais de 300 milhões de caixas de laranja, ou 12,3 milhões de toneladas. À Revista Globo Rural, o presidente da entidade afirmou:
“Hoje, não sobrou quase ninguém. Está tudo na mão dessas empresas. Famílias e negócios foram destruídos ao longo dos anos pelo cartel. A pressão era tão absurda que há casos de suicídio e tentativa de suicídio entre os produtores que ficaram sob o jugo do grupo. Em 20 anos, o número de produtores caiu de 28 mil para 6 mil.”
E acrescentou:
“Eu produzia 100 mil caixas por ano, mas arranquei tudo e passei para a cana-de-açúcar, para sobreviver.”
Um porta-voz da família Cutrale antecipou à revista que a empresa vai recorrer contra o que chama de reivindicações infundadas:
“A decisão de prosseguir com algumas das reivindicações foi uma conclusão sobre uma questão processual e não reflete o resultado final do caso. Este litígio é um exemplo de busca de fórum internacional por requerentes que tentam se livrar de processos brasileiros infundados e prescritos, onde eles não têm legitimidade, e implementar a legislação brasileira no Reino Unido.”
Vale lembrar que no início de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) concluiu, após longa investigação, que houve formação de cartel entre 1999 e 2006 no setor, com combinação de preços para a compra de laranja e divisão de mercado. Por meio de Termo de Compromisso de Cessação de Prática, os investigados reconheceram a prática ilegal e se comprometeram a interromper condutas anticoncorrenciais. À época, foram aplicadas multas de R$ 300 milhões aos infratores. O valor das multas não compensou a perda dos produtores prejudicados pelo cartel.