Operação Pacto revelou entranhas de acordos semelhantes às organizações criminosas

Ao vasculharem transportadoras e sindicato, policiais federais, integrantes do Ministério Público de São Paulo e técnicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) conseguiram recolher farto material que sugere amplo conluio com vistas a deter o controle absoluto do bilionário mercado de transporte de veículos zero quilômetro. Relação de promiscuidade foi detectada. Toda documentação já passou por análise por parte da autoridade antitruste.

 De São Paulo

Financiamento de greve de cegonheiros para impedir o ingresso de novos agentes econômicos no mercado; repasses milionários de recursos a sindicatos, entre eles o Sindicato Nacional dos Cegonheiros (SInaceg, ex-Sindicam), já condenado por participação em cartel junto com a General Motors do Brasil e que nega o recebimento; relação promíscua entre transportadoras e sindicato investigados; mapeamento de divisão de mercado; contratos de prestação de serviço entre empresas concorrentes; troca sistemática de informações consideradas comercialmente sensíveis, entre outras supostas práticas lesivas à livre concorrência. Tudo comprovado através de centenas de documentos, aparelhos celulares, notebooks e outros equipamentos eletrônicos.

As conclusões surgiram após policiais federais analisarem os conteúdos do farto material apreendido durante mandados de buscas no âmbito da Operação Pacto, deflagrada em 17 de outubro de 2019. Segundo os investigadores, o sistema cartelizado no setor de transporte de veículos novos vai muito além do mostrado pelo acordo de leniência que envolveu algumas transportadoras da marca Kia Motors, firmado pela Transilva Logística, com sede em Vitória (ES). Há provas, de acordo com os federais, de que a atuação concertada chegou à Volkswagen, Fiat, BMW, Ford, Hyundai (Piracicaba), Honda e à já condenada – por formação de cartel no mesmo segmento – General Motors, além da importadora Lifan.

Vários documentos chamaram a atenção dos policiais federais que analisaram uma por uma das peças. Segundo eles, “em diversos momentos ficou cabalmente comprovado a forma de trabalho dessas empresas de transporte que funcionam como se fossem uma só”.

De acordo com o trabalho intitulado “Comentários Finais”, também ficou demonstrado “o quão é promíscua a relação entre empresas de transporte de carros zero-quilômetro (cegonheiros)“. Do conteúdo se extrai ainda as considerações de que ”pode-se inferir que o cartel continua suas operações corriqueiras de ajuste de preços, fidelização de clientes, combinação de não-agressão entre as empresas participantes e loteamento nacional em áreas de atuação divididas, como domínios dessas mesmas empresas”. Os federais advertiram:

“Todos os documentos não deixam dúvidas sobre a existência e atuação do cartel, inclusive nos anos de 2017, 2018 e 2019, estendendo-se a outras montadoras. O comportamento é “típico de organizações criminosas.”

Foram apreendidos mapas de distribuição por montadoras contendo a divisão geográfica de mercado entre as empresas Transzero, Dacunha, Sada (todas do mesmo grupo econômico) e Tegma. Um e-mail impresso de Alexandre Santos – um dos indiciados – trocado com “demais atores do cartel, revela como é discutida a operacionalização do cartel com relação às marcas Ford e Volkswagen, ressaltando porcentagens”.

São documentos que, segundo a Polícia Federal, “não deixam dúvidas sobre a atuação do cartel”. Há menção, nos documentos apreendidos, de comentários trocados entre executivo da Brazul e um funcionário da Ford, chamado Edson, citando a Tegma (empresa concorrente), no qual é afirmado que “há entendimento já acordado no setor entre as empresas de que veículos faturados para a concessionária Sonnervig, que eram transportados pela Dacunha, agora serão transportados pela Tegma”. Sistema semelhante foi identificado pelos federais em correspondências eletrônicas trocadas entre as concorrentes tratando de valores de frete a serem cobrados por veículos da marca Volkswagen.

Além de documentos comprovando o financiamento pelas empresas de transporte da greve dos cegonheiros na Bahia, ocorrida em 2014, envolvendo recursos da ordem de R$ 2,9 milhões, policiais federais encontraram na sala do presidente da Tegma, Gennaro Oddone – ele deixou o cargo após a Operação Pacto – diversas tabelas de custo da empresa, uma delas intitulada “Resumo/rateio por atividades”, com a existência de um campo denominado “frete nacional acordado” dos anos de 2015 e 2016, com valores fixos e variáveis, “o que sugere que os fretes foram acordados pelo cartel naqueles anos”.

Anotações em agenda apreendida no mesmo local, ainda de acordo com policiais federais, contêm trechos sugerindo “conhecimento e participação ativa dos conselheiros a respeito da prática de cartel da Tegma”. Destaque para “Momento Conselho, Estratégia Fiat Betim, parceria pátio TS (Transilva) Resende, Processo Sul ?” Também nas dependências da Tegma, chamou a atenção um item encontrado em um notebook apreendido. Diz respeito a um relatório de viagem da filial da Brazul (concorrente) que indica o transportador como sendo a pessoa Waldelio (pessoa jurídica):

“Cabe lembrar que se trata de busca ocorrida na empresa Tegma, sendo encontrado um relatório de viagem entre uma concorrente e o presidente do Sintraveic.”

Correspondências eletrônicas (e-mails) apreendidas entre as empresas Sada e Tegma, contendo informações a respeito de “acordos comerciais”, igualmente foram citados pelos policiais federais, que consideraram o fato “uma proximidade incomum entre as concorrentes”. Uma clara ação anticoncorrencial também foi constatada ao ser analisado e-mail “falando novamente sobre acordos comerciais entre Tegma e Sada, inclusive ditando sobre valores de tarifas a serem cobradas pelas empresas concorrentes, onde a Tegma discorre sobre alteração de tarifas da concorrente Sada”. Em outro material apreendido, ainda segundo os federais, constata-se:

“O compartilhamento de informações comercialmente sensíveis entre concorrentes (Tegma e Brazul). No corpo do e-mail impresso trocado entre Tegma e Brazul, há um agendamento de reunião na Tegma com a empresa concorrente Brazul, demonstrando inequivocamente a divisão geográfica de mercado entre Tegma e Brazul.”

União das concorrentes
Policiais federais encontraram contratos entre Tegma, Brazul e Autoport, envolvendo operações de transporte de veículos das marcas BMW, Hyundai (Piracicaba), Glovis (operadora de logística da Hyundai) e Honda. Os documentos apreendidos estacam em uma pasta denominada “Pasta Contratos”- localizada na mesa de Nayara Lenise de Souza.

Minutas e cópias de contratos comprovam que a Tegma subcontratou a concorrente Brazul para auxiliar no transporte dos veículos da BMW, o que foi repetido no caso da fábrica da Hyundai de Piracicaba, interior paulista. Outra minuta mostra, ainda segundo os federais, envolvimento entre Tegma e Autoport por meio de subcontratação com mais uma concorrente, o que demonstra de forma clara a participação da Autoport no cartel na montadora Honda, a qual “também foi vítima das práticas anticoncorrenciais das empresas transportadoras”. Cópia de contrato de comodato entre as concorrentes Tegma e Brazul chamou igualmente a atenção. Trata-se, segundo a Polícia Federal, de uma cessão gratuita para uma pessoa concorrente, de acordo com as cláusulas 1.1 e 3.1. Os documentos mostram a cessão por parte da Tegma, de uma área localizada em Itajaí (SC), para a instalação de uma filial da Brazul.

Cabotagem e preços
Para policiais federais, a série de e-mails recolhidos na sala de Sineas Rodrigues Lial, da Tegma, “comprovam a cartelização entre as empresas”. Oito itens são listados pelos federais:

1 – Brazul envia estudos sobre cabotagem (matéria ao lado) para a General Motors do Brasil (GM) e encaminha para a Tegma. Brazul e Tegma – afirmam essas autoridades – são concorrentes, mas parceiros na operacionalização do cartel.

2 – Trata de reunião na GM com representantes da Brazul e Tegma.

3 – Negociação inicial se dá entre Transzero e Volkswagen. Diante do fato de que a Transzero irá pagar R$ 71,5 por veículo, Roberto da Tegma (cópia Sineas) pergunta qual valor irão considerar. Demonstra o “conhecimento de informações comercialmente sensíveis”.

4 – Agendamento de reunião na Volkswagen com e-mail enviado para a Tegma sobre a reunião.

5 – Tabela de faturamento de concorrentes no mercado Kia. Novamente compartilhamento de informações comercialmente sensíveis.

6 – Negociação ocorrida entre General Motors e Transzero, a qual a Transzero encaminha para a Tegma.

7 – Mais uma negociação entre GM e Transzero que é compartilhada com a Tegma.

8 – Estudos de faturamento da Tegma, Brazul e Transzero com as montadoras Hyundai (Piracicaba) e Chery, além de mapas de divisão geográfica de mercado.

Os documentos considerados relevantes estão em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que investiga a possível prática de infrações à ordem econômica por formação de cartel entre os investigados. A autoridade antitruste está finalizando a análise do material apreendido da diligência criminal e deverá se posicionar em breve sobre a eventual instauração de processo administrativo, conversão que poderá ocorrer no inquérito administrativo em andamento.

Sintraveic
Os policiais federais destacaram a forte participação do Sintraveic como peça-chave nas negociações entre empresas. Lembram ainda que os próprios dirigentes dessa entidade possuem empresas e participam ativamente da cartelização.

Diz a anotação:

“Outro fato que chama a atenção são as suspeitas graves que pairam sobre esse mesmo sindicato, em razão do possível cometimento de crimes violentos, como ameaças de morte, incêndios a caminhões, apedrejamentos e agressões.”

A Operação Pacto foi deflagrada no início da manhã de 17 de outubro de 2019. Após
cumprimento dos mandados de busca e apreensão em quatro estados, Polícia
Federal, Cade e Gaeco explicaram os procedimentos em coletiva de imprensa (foto
de abertura). Na ocasião, por meio de nota, o Sintraveic-ES e Waldelio de
Carvalho Santos, presidente da entidade – informam que ambos estão “à disposição das
autoridades competentes (Polícia Federal, Cade, Gaeco e outras) para prestarem
todas as informações necessárias, no intuito de esclarecerem todos os fatos que
são objetos de investigação”.

Waldélio, segundo noticiou o site Livre Concorrência, firmou acordo de delação premiada com o Cade.

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Um comentário sobre "Operação Pacto revelou entranhas de acordos semelhantes às organizações criminosas"

  1. LUIZ CARLOS BEZERRA disse:

    POIS É MEUS AMIGOS QUE SEMPRE ACOMPANHAM AS EDIÇÕES DESSE BRILHANTE PORTAL.
    CONTRA OS FATOS ORA RELATADOS, NÃO DEIXAM NENHUMA DÚVIDA, QUE ESSA FACÇÃO CRIMINOSA VEM ATUANDO POR MUITOS ANOS EM NOSSO PAÍS. NÃO É MESMO?
    SÃO DELINQUENTES QUE NUNCA PARARAM DE AGIR CRIMINOSAMENTE NESSE SETOR DE TRANSPORTE DE VEÍCULOS NOVOS, PRODUZIDOS EM NOSSO BRASIL.
    ENTÃO FICA A DÚVIDA: POR QUÊ SERÁ QUE AINDA ATUAM ATÉ OS DIAS DE HOJE?
    A JUSTIÇA FEDERAL JÁ POSSUI DOCUMENTOS VASTOS, PARA IMPEDIR QUE ESSE CARTEL CONTINUE EM AÇÃO. NÃO É MESMO?
    DEEM UM BASTA NESSA SITUAÇÃO! CUMPRAM AS LEIS!
    PUNAM OS RÉUS, DE FORMA FINITA!
    ASSIM ESPERAMOS!
    ESSE SEGUIMENTO PROFISSIONAL, MERECE RESPEITO E, NÃO CRIMINOSOS!
    DURA LEX SED LEX!
    TODOS OS RÉUS DESSAS AÇÕES, DEVEM SER PROIBIDOS DE ATUAR NESSE MERCADO TAMBÉM, IMEDIATAMENTE!

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