
Em 2019, a indústria automobilística deixará de pagar R$ 5,1 bilhões em tributos federais. A previsão está no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado ao Congresso Nacional em abril. O total, que soma os incentivos concedidos pelo governo ao setor, representa pouco mais da metade do valor pago por apenas quatro montadoras ao cartel dos cegonheiros em 2017.
Ao todo, o transporte de veículos novos custou às marcas Volkswagen, General Motors, Renault e Jeep R$ 2,3 bilhões. Só o ágio cobrado por transportadoras vinculadas ao grupo que domina mais de 95% dos fretes realizados no país chegou a 593,5 milhões. Tais empresas, ao lado de entidades sindicais, são consideradas por investigações do Ministério Público Federal e Polícia Federal uma associação criminosa: o cartel dos cegonheiros.
Em um mundo em que as empresas estão focadas em reduzir custos para tornarem-se mais competitivas, fica difícil entender a opção das fábricas de automóveis pelo cartel, cujos fretes custam 25% a mais do que os valores praticados no mercado regido pela livre concorrência. Entretanto, ao olhar a previsão de benefícios do governo federal, a relação entre incentivos tributários e fretes superfaturados começa a fazer sentido. O primeiro compensa o prejuízo causado pelo segundo.
Nesse caso, perdem os consumidores das marcas e a população em geral, além da economia pela ausência da livre concorrência no setor. Os consumidores arcam com o ágio do transporte, cujo valor integra o custo de produção do veículo, e a população em geral sofre com a redução de recursos destinados às áreas da saúde, educação, saneamento e segurança.
Concessões não garantem retorno nem eficiência
O site Contas Abertas apurou que os gastos tributários do governo federal (renúncias) equivalerão a 4,02% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. O percentual se repete em 2020. Segundo analistas, o grande problema dos gastos tributários é a falta de transparência e de avaliação de resultados de um volume alto de receitas que o governo deixa de arrecadar.
Em 2014, o Tribunal de Contas da União fez um estudo sobre esses incentivos e recomendou ao governo que estabelecesse, entre outras medidas, metas e indicadores para as políticas públicas que contassem com os benefícios, de forma a que pudessem ser monitoradas e avaliadas. Essa avaliação da eficiência, eficácia e efetividade dos gastos tributários ainda é precária.
Estados e municípios também oferecem benefícios
Renúncias tributárias do governo federal não são os únicos benefícios concedidos às montadoras. Estados e municípios também oferecem incentivos fiscais e creditícios. Veja abaixo o que a General Motors exigiu dos governos estadual e municipal para se instalar em Gravataí, no Rio Grande do Sul.
Todos ganham, menos o consumidor e o contribuinte
Vale ressaltar que as empresas que prestam serviços às montadoras também se beneficiam de vantagens fiscais e creditícias. A Sada, de Vittorio Medioli, recebeu da Prefeitura de Goiana, cidade onde se instalou a Fiat/Jeep, em Pernambuco, terreno e benefícios fiscais do poder executivo local, segundo publicou o Blog do Jamildo, colunista pernambucano que escreve sobre política e economia.
Medioli é dono do grupo Sada e atual prefeito de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em inquérito da Polícia Federal, o empresário e político de Minas Gerais é acusado de chefiar a associação criminosa que domina o transporte de veículos novos no país.
Incentivos não aquecem economia local
Um estudo do Economic Policy Institute se debruçou sobre os armazéns e centros de distribuição da Amazon espalhados pelos EUA. Conclusão: não aquecem a economia local. A médio prazo, o PIB varia pouco. E os incentivos fiscais comem o pouco que chega. Os autores recomendam que prefeitos na disputa pela segunda sede da empresa estudem melhor as vantagens que pretendem oferecer.
Retorno pífio
O ex-governador e atual senador da República Roberto Requião (PMDB/PR) condenou as vantagens oferecidas por governos para atrair investimentos. Em discurso no plenário do Senado, referiu-se especificamente à instalação da Renault em solo paranaense. Segundo Requião, o benefícios concedidos pelo governador que o antecedeu (Jaime Lerner) somaram bilhões. Ele lembra de como ficou espantado ao constatar o retorno “pífio” dos investimentos públicos: