
Multas aplicadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estão sendo investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Um processo foi aberto para apurar irregularidades especialmente em acordos firmados com empresas investigadas na Lava Jato, como Odebrecht, OAS, Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez. Conselheiros do próprio Cade apontam que as vantagens obtidas pelas companhias com atos ilícitos foram muito maiores do que as punições sofridas.

O jornal Estado de São Paulo teve acesso ao despacho do ministro do TCU Augusto Sherman (imagem de abertura). Ele determinou a realização de uma diligência no Cade a pedido do Ministério Público de Contas da União. Há menos de uma semana foi enviado ofício ao órgão antitruste. Foram dados 15 dias para o conselho mandar informações ao TCU.
Subpunição
O diário paulista informa que na representação, o procurador do MP da União Júlio Marcelo de Oliveira alega que, ao firmar acordos que encerram as investigações contra as empresas, chamados de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), o Cade estaria “estipulando contribuições pecuniárias em valor aquém ao da vantagem auferida, prática que daria margem à subpunição” das companhias.
No documento, o procurador citou o julgamento de 16 TCCs relacionados à Lava Jato em novembro de 2018, quando os acordos levaram ao pagamento de um total de R$ 897,9 milhões. No julgamento, foi definido que a Odebrecht pagaria R$ 578,1 milhões, em seis processos. A OAS propôs o pagamento de R$ 175,1 milhões, a Andrade Gutierrez, R$ 75 milhões, e a Carioca Engenharia, R$ 68,9 milhões.
À época, dois conselheiros do Cade criticaram o valor das multas. O então conselheiro João Paulo Rezende afirmou que as quatro construtoras ganharam R$ 25 bilhões com as obras superfaturadas e que o valor pago deveria ter sido pelo menos três vezes maior. A então conselheira Cristiane Alkmin disse na ocasião que as multas deveriam ser de cerca de R$ 4 bilhões.
Descontos estimulam práticas irregulares
Ministério Público de contas critica uso excessivo de TTCs para encerrar investigações. Nenhum caso relacionado à Lava Jato, que teve início em 2014, foi a julgamento até hoje no conselho. Todos os encerrados até agora foram por acordo de leniência e TCCs. O procurador afirma:
“Há desvantagens para o uso extensivo de TCCs. Existe o potencial de se ter um efeito negativo à prevenção, uma vez que os descontos fornecidos são generosos e as empresas sabem que podem celebrar acordos até o momento anterior à decisão do tribunal.”
Ao jornal Estado de São Paulo, o Cade afirmou:
“A representação do procurador é falha tecnicamente, baseada em jurisprudência vencida, e denota pouco conhecimento da legislação concorrencial.”
Também assegurou que apresentará todas as informações solicitadas pelo TCU, que a metodologia para a definição de multas é “baseada em jurisprudência do órgão” e que, nos últimos cinco anos, aplicou um total de R$ 1,7 bilhão em multas e R$ 3,6 bilhões em contribuições pecuniárias, pagas em acordos. “Na Lava Jato, o Cade homologou acordos que totalizam R$ 1,205 bilhão.”
Ao site Livre Concorrência, o TCU informou:
“O processo TC 017.012/2020-1, que que apura possíveis irregularidades na atuação do CADE na não adoção da estimativa da vantagem auferida como piso mínimo para multas aplicadas a pessoas jurídicas infratoras e para a contribuição pecuniária no âmbito dos Termos de Compromisso de Cessação, nos casos em que é possível a estimativa da vantagem auferida, está em andamento no Tribunal e não possui deliberações. Nesse momento as peças estão restritas às partes.”
Impasse nos cálculos das vantagens auferidas
A lei da concorrência prevê que a multa aplicada pelo Cade seja de até 20% do faturamento da empresa e que nunca pode ser “inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação”. No entanto, há discussão de como calcular a vantagem que a empresa obteve com a formação de um cartel, por exemplo, o que ocorreu no julgamento dos casos da Lava Jato citados pelo procurador.